Fiquei uma semana sem postar no blog, sinto muito, mas a culpa não é minha, e sim do Jorge Amado. Isso mesmo, Jorge Amado, o escritor. Há quase dois meses estou envolvida em Gabriela Cravo e Canela, e finalmente, pela glória divina, eu terminei.
Não que o livro seja gigante, porque na verdade ele não é ( 364 páginas), mas o ritmo é tão lento e os personagens são tão numerosos que eu não conseguia ler mais de um capítulo por dia. Agora vocês perguntam, por que eu, viciada assumida em histórias de suspense, resolvi ler um romance como Gabriela. Também não sei. A única explicação que me cabe é a que, depois de uma conversa com meu avô, resolvi envolver-me mais com grandes literários brasileiros, e remexendo nas estantes de livros velhos do meu pai, encontrei Jorge Amado.
Quando digo "livro velho" não estou brincando não. Meus pais compraram Gabriela na época de namoro, ou seja, séculos antes de eu nascer, e agora, com 13 anos, quase 14, resolvi pegar esse livro. Sinto vergonha de mim mesma por admitir que quase não leio livros brasileiros, mas ao mesmo tempo fico orgulhosa, porque de uns tempos pra cá, resolvi iniciar essa jornada, e agora já estou com uma boa coletânea de clássicos varonis para ler, como "Fogo Morto", "Memórias Póstumas de Brás Cubas", "Casa branca e senzala", "Dona Flor e seus dois maridos", "Escrava Isaura" enfim, é muita coisa, mas resolvi começar por Gabriela.
Como sempre, vou começar falando sobre informações básicas do livro: Gabriela não é muito grande, leitores fanáticos pela série " As crônicas de Gelo e Fogo" leram praticamente o triplo de páginas apenas no primeiro livro, mas isso não vem ao caso, pois, comparando dois livros, ambos com uma história simples, mas detalhada demais e com dúzias de personagens, prefiro Gabriela, mesmo que muitos venham a me crucificar.
Minha versão do livro é antigo, não existe mais para vender, apenas em sebos, mas mesmo assim são difíceis de encontrar. Ele é o livro número 20 da coleção "Mestres da Literatura Contemporânea", que contém outros grandes clássicos, como O nome da Rosa, Sagarana, O Perfume, Morte e vida Severina, Ripley debaixo d'água, entre outras obras que virei à resumir futuramente. Meus pais contam diversas histórias de suas épocas de namoro, em que iam para a papelaria todo domingo comprar um exemplar dessa coleção. Eles chegaram até o número 54, não sei se existe continuação, mas a coleção ocupa uma instante inteira. Algumas pessoas conhecem esses livros como "Livros da capa azul", pois todos tem o mesmo estilo e cor de capa, como se vê na figura abaixo:
Dadas às explicações necessárias, muitos vão se perguntar "Se você mesma disse que o livro não é tão grande, por que demorou tanto para ler?". Não os julgo. Gabriela é realmente um livro pequeno, mas, como já citei antes, repleto de artimanhas de gramática, detalhes, nomes, descrições de locais, o que, por um lado, enriquecem o enredo, como, por outro, dão certo cansaço à leitura.
Já disse antes que não conseguia ler mais de um capítulo por dia, isso por que, a história é dividida em diversas outras sub histórias, além do enredo da personagem principal, Gabriela, com Seu Nacib, que é a parte romântica da história, há também outro embate, a história de Mundinho Falcão e Coronel Ramiro Bastos, que não tem praticamente relação nenhuma com o romance.
Admito que preferi as partes em que Gabriela estava presente, e, mesmo que pareça que não gostei do livro, eu o admirei por demasia, tanto pelo estilo despojado porém elegante do autor, quanto pelo modo como ele nos fez apaixonar por Gabriela, torcer por um final feliz. Em minha opinião, nenhum humano são que leia Gabriela conseguiria odiá-la, como acontecesse com diversos personagens de livros. Até mesmo quando Gabriela comete erros imperdoáveis, vi-me apoiando o lado dela, e foi isso o que achei mais interessante na obra, o modo como Amado conseguiu descrever tão bem uma personagem de modo que criamos laços com ela em nossas mentes.
Outra coisa muito interessante é o modo como ele escreve as coisas. Como escritora amadora, admito que é muito complicado colocar gírias, erros gramaticais forçados, características fora da gramática em uma obra, tanto que em meu primeiro livro, Pela Eternidade, tentei usar a linguagem mais formal possível. Amado extrapolou esses limites, usou a forte língua baiana, conjugando errado os verbos ( "tou", como se fosse estou), e mesmo assim fica perceptível para qualquer um que leia que ele fez aquilo " por querer". Esse mesmo modo de escrever foi o que atraiu muito o livro, fazendo-nos adentrar naquela Ilhéus, de cacaueiros, bares e praias, em diversos momentos pude até sentir o cheiro da comida de Gabriela, sentir o vento da praia, o som das folhas da pitangueira.
Vamos ao resumo.
Gabriela, Cravo e Canela conta a história da paixão envolvente entre Seu Nacib, árabe que imigrou para o Brasil, comerciante e dono de um famoso bar em Ilhéus, e Gabriela, retirante do sertão. A história se inicia com Nacib procurando por uma cozinheira, e por desavença do destino, acaba parando em um porto de retirantes, onde conhece Gabriela, uma jovem completamente suja de pó e barro. Mesmo à contragosto, ele acaba levando a mulher para casa.
" - Como é mesmo seu nome?
- Gabriela, para servir o senhor.
... Gabriela ia uns passos atrás com sua trouxa, já esquecida de Clemente, alegre de sair do amontoado de retirantes, do acampamento imundo. Ia rindo com os olhos e a boca, os pés descalços quase deslizando no chão, uma vontade de cantas as modas sertanejas, só não cantava porque talvez o moço bonito e triste não gostasse"
Com o tempo, Gabriela começa a se acostumar com a nova casa, faz a graça de toda a cidade, com seu jeito diferente, nada parecido com os das madames de Ilhéus. Todos percebem que Gabriela é uma bela moça encarnada em alma de criança, criança que anda descalça, sobe em árvore, brinca de roda... Gabriela é assim. Mas Nacib se apaixona pela moça, que cozinha para ele, cuida da casa e também faz os petiscos do bar, atraindo uma bela clientela. Gabriela recebe muitas ofertas para trabalhar com outros homens, mas recusa todas, também sentindo algo muito forte por Nacib, até que ele lhe pede em casamento. Mas com o casamento, muitas coisas mudam, Nacib não quer mais vê-la como uma criança, e sim como sua esposa, senhora de família. Gabriela não gosta nada disso, e a relação de ambos começa a baquear, levando ambos à uma traição desesperadora.
" Agora via o corpo moreno de Gabriela, a perna saindo da cama. Mais do que se via, adivinhava-o sob a coberta remendada, mal cobrindo a combinação rasgada, o ventre e os seios. Um seio saltava pela metade, Nacib conseguia enxergar. E aquele perfume de cravo, de tontear (...)
(...) - Coitadinho, não tá cansado?
Dobrava o vestido, colocava os chinelos no chão.
- Me dê, penduro no prego.
Sua mão tocou a mão de Gabriela, ela riu.
- Mão mais fria...
Ele não pôde mais, segurou-lhe o braço, a outra mão procurou o seio crescendo ao luar. Ela o puxou para si.
- Moço bonito...
O perfume de cravo enchia o quarto, um calor vinha do corpo de Gabriela, envolvia Nacib, queimava-lhe a pele, o luar morria na cama. Num sussurro entre beijos, a voz de Gabriela agonizava:
- Moço bonito..."
Ao mesmo tempo que o romance chama tanto a atenção, existe também outras histórias, como o embate político entre Mundinho Falcão e Ramiro Bastos, ambos querendo governar Ilhéus, o romance da jovem Malvina com um engenheiro, prometendo fugir com ele para o Rio de Janeiro e causando ciúmes em sua verdadeira paixão, o Professor Josué... essas e muitas outras histórias que se entrelaçam na trama do autor.
" - Cachorra!
Ela sorriu com os lábios de beijo e dentada, sorriu com os seios erguidos, palpitantes, com as coxas de labareda, com o ventre de dança e de espera, murmurou:
- Importa não.
Encostou a cabeça em seu peito peludo.
- Moço bonito..."
Gabriela é uma leitura linda, um romance indescritível, cansativo, eu admito, mas quando cheguei no fim, não pude deixar de sorrir pelo modo como a história transcorreu. É um livro profundo, como diria meu pai "Uma colher afundando em um balde de melado".
Muitos perguntam por que comecei a ler, em parte pela conversa com meu avô, em parte pela minissérie exibida pela Rede Globo, Gabriela, a qual não se parece muito com o livro, mas dá uma boa ideia dos personagens, muito bem caracterizados.
Digo logo, não é um livro fácil de ler, e tenho plena noção de que poucos conseguem lê-lo e compreendê-lo, tanto que, mesmo com todos esses anos de intensa leitura, tive dificuldade em alguns trechos. Não recomendo para todos os tipos de leitores, mas só lendo para se saber.
Então é isso leitores, Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado, mestre literário brasileiro.
Esse eu já li, e aprovei.